segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Quando se fecha para sempre o sorriso da serenidade


A notícia chegou-me horas depois, de forma mais ou menos fria, no meio de uma inauguração pública. De imediato associei ao sentido de perda o sentimento de saudade, de fim insubstituível de algo único. Invadiu-me a consciência de uma pobreza maior, de vazio de tantas coisas! A falta de um abraço e de um sorriso vestido de serenidade. Olhei o chão de pedra que parecia querer deixar de me sustentar e por esse granito passou o filme de todos os momentos vividos e saboreados pela presença do Dr. Fernando Amaral. Tinha sido apenas há horas que a inevitabilidade da vida nos retirara do convívio desse homem enorme que reunia todas as qualidades dos grandes homens.
Apesar dos seus oitenta e quatro anos, a sua frescura intelectual permitia-lhe, com um sorriso quase cândido, dizer as coisas mais sérias, aliadas a uma capacidade oratória que, para além de geracional, lhe corria no sangue com a mais-valia de um viver e saber acumulado ao longo de toda uma vida de experiências e conhecimento da comédia humana de Balzac, tantas vezes com a frontalidade e o humor cortante de Voltaire. Tantas vezes, ou quase sempre, de improviso, Fernando Amaral urdia, ali mesmo, onde quer que fosse ou perante quem quer que fosse, a partir de uma frase ou de uma causa, discursos que nos deliciavam pela sua eloquência e pela reflexão a que obrigavam.
Os Homens da sua estatura moral e intelectual não acontecem por acaso, têm um percurso, uma vida vivida e saboreada, ora com sabor a vitória, ora com o sabor acre das derrotas e das desilusões. Mas nada demoveu Fernando Amaral de afirmar a sua personalidade, o seu carácter e o seu sentido apurado de liberdade. Nunca mandou dizer nada por ninguém e nenhum homem o obrigou a calar-se ou a deixar de afirmar a sua razão. Não pelo estatuto de que usufruiu em cada momento, mas pela seu indelével respeito pela verdade e pela liberdade intelectual.
Fernando Monteiro do Amaral nasceu no Lugar do Eirô, na freguesia de Cambres, no concelho de Lamego, a 21 de Dezembro de 1924. Aos 7 anos veio para Lamego com seus pais, quando estes vieram estabelecer uma taberna no lugar do Passeio Alto, onde concluiu o ensino Primário e o liceu. No Porto acabou o curso do Magistério Primário. Foi professor e, enquanto isso, fez a sua licenciatura de Direito na Universidade de Coimbra, tendo sido advogado com reconhecido sucesso até entrar no mundo da política com a chegada da democracia. Foi deputado da Assembleia Constituinte, deputado legislativo, Ministro da Administração Interna e Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro Francisco Pinto Balsemão. Foi eleito Vice-Presidente e Presidente da Assembleia da República entre 1983 e 1987. Foi ainda membro do Conselho de Estado, Vice-Presidente do Conselho da Europa e membro da Comissão dos Direitos do Homem do Conselho da Europa. Foi autarca e Presidente da Assembleia Municipal de Lamego.
Apesar de tudo isto, nunca deixou de ser igual a si próprio, homem de carácter granítico e personalidade, de “antes quebrar que torcer” e de não deixar os is sem pontos, bem carregados, quando era caso disso. A este temperamento e forma de estar associava um enorme sentimento de cidadania, sem rejeitar nunca as suas raízes humildes, o seu lugar, e sobretudo a sua disponibilidade para com todos falar e a todos ajudar, sempre com a tolerância e a racionalidade necessárias. Nutria com o mesmo respeito a sua amizade por políticos do mais elevado coturno, como Mário Soares, seu particular amigo, ou líderes internacionais da sua geração, como pelo mais simples dos cidadãos, para quem tinha sempre uma palavra de apreço e o seu afável cumprimento e sorriso.
Foi já tardio o início do nosso convívio, posterior à sua extensa e diversa carreira política, mas o suficiente, não só para admirar o Dr. Fernando Amaral que a sociedade e o país se habituou a respeitar, mas também o homem que residia por detrás da figura política nacional. Só mesmo a sábia humildade deste homem grande poderia permitir-se ler e admirar em silêncio alguns dos textos deste humílimo escriba, até ao dia em que fez questão de mo confessar e de me entregar a responsabilidade de rever e editar o seu último livro – “Memórias de uma Toga Antiga” – que acabaria por ser, mais do que um livro, a causa de uma amizade consentida e cultivada pelo respeito e pela admiração. Foram dias e horas de convívio, histórias ouvidas da memória e do entusiasmo com que só o Dr. Fernando Amaral sabia imprimir a esses episódios da sua caminhada. Foram sorrisos partilhados, mas também gargalhadas francas e críticas mordazes à mediocridade que se passeia pelas esquinas da sociedade. Foram refeições a dois, onde a comida era sempre o menos importante, porque o menu principal vinha da voz e da memória, das histórias de vida deste homem que agora parte, sem contudo morrer, porque faz parte do mundo dos poucos que não morrem, apenas mudam de sítio.
Era assim este Homem que subiu as escadas da vida degrau a degrau, apenas com a força da sua personalidade, que fez do recato social, da humildade e da condição de homem livre, a sua forma de conviver com a vida e com os amigos, a quem oferecia os livros que escrevia, porque apenas aos amigos se destinavam, amigos que podemos ser todos, afinal, aliás como fazem ou fizeram os grandes homens de sempre.
E somos nós, esses amigos, todos, que ficámos mais pobres, muito mais pobres e tristes, porque terminou o convívio insubstituível e se fechou para sempre o sorriso da serenidade.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O Melhor do Mundo



Há trinta segundos Cristiano Ronaldo é eleito o melhor jogador do mundo 2008. Finalmente o orgulho português para nos emocionar! Falou com o coração sem grandes adjectivos, com a sua simplicidade, igual a si próprio, mas talvez com a consciência de que estava a dar uma enorme alegria e felicidade a gente simples como a sua família, como ele. Porventura, este jogador madeirense que se estreou há seis anos a jogar no Sporting Clube de Portugal e que em 2008 conquistou o mundo com a camisola do Manchester United, foi hoje um motivo de efémera felicidade, tanto para os que aplaudiram de fato inglês e ferrari à porta, como para aqueles que o viram de cara encostada a uma montra de vidro, aconchegados por um cartão a servir de tecto. Só que.... para estes a felicidade foi muito mais saborosa.

Meu Caro Ronaldo, não te importes se não falas com a fluidez de outros, e pensa que foste causador de orgulho para todos, mesmo todos. Parabéns, meu rapaz.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Palavras de neve


Cai neve ao meio-dia
a vestir os olhares de branco
e as palavras de luz,
há homens e mulheres de mãos dadas
por entre os flocos de algodão doce,
e sorrisos de criança
sobre o branco que os seduz;

por detrás das janelas desenham-se
nos vidros frios os dedos da contemplação,
narizes de menino,
retinas de solidão que seguem
as pegadas tatuadas na ausência
da neve que sobre o chão,
sossegadamente, descansa;

na cidade caiada de neve
as almas aquecem-se de branco quente,
entretanto, os sinais de fumo saem
das chaminés para escrever o amor
sobre a tela espalhada pelas ruas
enquanto as sílabas se escrevem
na cumplicidade da lareira
onde diariamente se desenham
carinhos de mulher.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

haiku


Caem sorrisos
na terra do meu jardim,
a chuva também…

domingo, 4 de janeiro de 2009

Hatmavalley











Enquanto as palavras cúmplices saltitam
por entre as partituras abandonadas da surdez,
os quatro pés descalços dançam o bailado
dos versos que saem do olhar enorme
debruado a margaridas com aromas de côco;
como se da planície africana surgisse
a nuvem de poeira levantada pela irrequietude
da poesia, alucinante visão da mulher inventada
por Baudelaire no jardim onde crescem “as flores do mal”.




ausência presente

às vezes as palavras não chegam,
nem mesmo com a ajuda dos pássaros,
para levar a alma a bom porto,
porque há amores que não cabem
nas ruas estreitas dos dias
e só caminham na planície dos olhares;

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

2008 / 2009

No primeiro dia do ano 2009 há duas coisas inevitáveis – pensar no que poderá vir a ser o ano que se aproxima, e passar em revista o ano que agora termina.
Sentado no conforto da minha mesa de trabalho, procuro imagens que tenham marcado o ano 2008. Duas páginas de notas e trinta minutos de internet depois, a realidade não é animadora e o que mais se pode e deve pedir para 2009 é que seja um ano realmente melhor para todo o mundo. Catástrofes naturais, guerras e fome mundial preenchem 80% das imagens que é possível encontrar dos últimos doze meses.
Homens, mulheres e crianças mortas aos milhares em cenários de guerra como o Iraque, o Afeganistão, a Faixa de Gaza ou a Geórgia invadida pela Rússia;
Mulheres e crianças subnutridas em países como Etiópia, Eritreia, Somália, Sudão, Quénia ou Uganda.
A isto podemos juntar ainda a onda de violência interna na Grécia.
Mas a nível internacional vamos destacar como grandes marcas de 2008:
- Em primeiríssimo plano o chamado fenómeno Obama – depois de quase um ano de campanhas os americanos escolhem para a presidência dos Estados Unidos da América o Afro-americano Barack Obama, o primeiro negro a chegar à Casa Branca e a trazer aos americanos e ao mundo uma lufada de esperança no poder da democracia e no futuro de todo o mundo.
- Fidel Castro, o dinossauro sul-americano, abdica do poder que entrega ao seu irmão Raul, porém ninguém acredita que ele deixe de ser a sombra de Cuba.
- Realizam-se os Jogos Olímpicos de Pequim e a China mostra ao mundo o que de melhor e pior tem o seu regime.
- A Espanha sagra-se campeã europeia de futebol, num campeonato em que Portugal mostra a mais pálida imagem da sua capacidade.
Cá por casa e no que ao nosso Portugal diz respeito, a crise financeira e os casos do BPN e do BPP dominam os casos de 2008, mas há mais:
- A proposta avaliação dos professores deixou a classe em polvorosa e realizaram-se as mais mediáticas manifestações de sempre, num braço de ferro entre o governo e os docentes que promete continuar.
- A Assembleia da República aprova um acordo ortográfico demonstrativo da indisfarçável mediocridade e imbecilidade dos deputados da nação que votaram a favor deste diploma vergonhoso.
- Cavaco Silva promulga a polémica nova lei do divórcio.
- Começaram as alegações finais do caso Casa Pia.
- Manuela Ferreira Leite é eleita presidente do PSD.
- O cineasta Manuel de Oliveira completa 100 anos de idade.
- Morre o escritor António Alçada Baptista
- O estatuto político-administrativo dos Açores abre a guerra que se esperava entre o Presidente da República e o governo da maioria PS.
Para 2009 não há grandes previsões e as que há são por si só previsíveis.
- A crise financeira mundial terá a sua maior factura em pagamento este ano, dizem os entendidos e copiam os desentendidos.
- Os cenários de guerra em todo o mundo vão continuar, porém há na mente de todos uma nova esperança chamada Barack Obama.
- Em Portugal é ano de eleições, autárquicas e legislativas, e o Partido Socialista deverá ser o vencedor destas contendas, não sem ter que ultrapassar alguns obstáculos, a saber: conquistar o milhão de votos que pertencem a Manuel Alegre, compensar os votos dos professores que não vai ter, e, mais difícil, anular a guerra que lhe vai mover Cavaco Silva, que está furibundo por ter perdido a contenda dos Açores e porque sabe que o seu partido está entregue a uma bicharada que a senhora idosa é manifestamente incapaz de controlar. Basta ter ouvido com atenção o discurso de Ano Novo de Cavaco Silva aos portugueses para perceber que o verniz estalou e a máscara caiu. Falou da “imagem da política interna no exterior”, da “Estagnação económica dos últimos anos”, disse que “as ilusões pagam-se caro”, falou ainda das “querelas entre os políticos”, sublinhou o desemprego e as dificuldades actuais dos portugueses e disse que as políticas não deverão ser encaradas apenas para 2009, mas também para os anos seguintes, ou seja, para depois das eleições legislativas deste ano – “Acredito num futuro melhor em 2009, mas também nos anos que vêm a seguir” – disse – e só lhe faltou apelar à mudança. O Presidente da República tentou uma forma subtil de atingir Sócrates e o PS, porém, os portugueses não são assim tão estúpidos e se há coisa que é certa é que continuarão a não ser em 2009 nem nos anos seguintes. Ficou a sensação de que uma máscara caiu em plena cena, resta agora saber que futuro nos reserva o que intenções estarão por detrás dessa máscara no ano que agora começa. Uma coisa é certa, em 2009 continuará a ter razão o pensador Voltaire quando escreveu que “-Se não encontrarmos nada agradável, ao menos devemos encontrar algo novo.”