Cavaco Silva é um homem extremamente inseguro, atingido por uma soberba que o levava a alterações de carácter quando era professor e se algum aluno o contestava.
As delongas que o dr. Cavaco tem feito à indigitação do dr. António Costa para primeiro-ministro é um dos episódios mais repulsivos da Segunda República. O dr. Cavaco é homem de verdetes e de pequenas vinganças, já se sabia; mas este ressabiamento ultrapassa todas as paciências. Os ódios velhos não cansam, mas as coisas, com ele, têm atingido os mais deploráveis limites. Não permitiu que a pensão de sangue fosse atribuída à viúva de Salgueiro Maia, mas acedeu a que antigos agentes da PIDE fossem distinguidos com rendas, “por serviços distintos prestados à pátria”. Escusou-se, com evasivas canhestras, a presidir a uma homenagem a Melo Antunes, e tem colocado penduricalhos a uma legião de medíocres. Não condecorou José Sócrates, como é hábito a primeiros-ministros, em final de funções, notoriamente porque o detestava e detesta, além de o mimosear com dois discursos abjectos. Mário Soares, que o tratava por “O Gajo”, é outros dos seus inimigos. Não pode com Pedro Santana Lopes porque este é divertido, ama a vida e é inteligente. Apadrinhou Pedro Passos Coelho devido à reverência mesureira com que este o distingue. Aliás, apressou-se a indigitá-lo primeiro-ministro, logo após as eleições de 4 de Outubro, num atropelo às regras mais elementares da democracia. Nem precisou, como o fez agora, com inaudito despudor, de ouvir a opinião de “notáveis”. Sobre ser uma pessoa inculta e medíocre. O dr. Cavaco é o pior Presidente da República desde o 25 de Abril.
Os níveis de popularidade do senhor descem de forma preocupante porque atingem, inevitavelmente, a própria instituição. Não ouve ninguém, não atenta nos conselhos que lhe dão, timidamente e com muita cautela porque ele encoleriza-se com frequência e não tem amigos, apenas breves instantes de reverência assustada. É um homem extremamente inseguro, atingido por uma soberba que o levava a alterações de carácter quando era professor e se algum aluno o contestava. Por duas vezes, pelo menos que víssemos, em duas cerimónias públicas, teve delíquios sem que, até hoje, essas súbitas quebras nos fossem esclarecidas.
A demora em nomear António Costa faz parte da sua estrutura política e moral. Mas a atitude, por absurdamente deseducada, atinge toda a nação. Sabemos que o dr. Cavaco nunca foi o “Presidente de todos os portugueses”, e que a sua presença nos cargos que desempenhou caracterizaram-se por um total e absoluto desdém pelos outros. O que está a provocar, com este adiamento, é uma cisão desnecessária entre todos nós. A ferida que rasgou nos portugueses dificilmente sarará. Há anos, com uma impudícia que rondou o insulto, disse, publicamente, esta frase maldita: “Temos de ajudar o dr. Mário Soares a sair com dignidade da Presidência.”
Todos sabemos que Mário Soares não costuma levar insolências para casa, e que, quando o assolam, não é flor que se cheire. Pode ser acusado de todos os defeitos, menos o de delito contra a liberdade. Talvez o mesmo não se possa dizer do dr. Cavaco, com as tropelias e os atropelos à democracia que tem praticado, e, até com o vilipêndio comprovado pela República e pelo 5 de Outubro.
Com um suspiro de alívio aguardamos o dia próximo em que este senhor irá para casa e deixará de ser a sombra dos nossos pesadelos.