terça-feira, 14 de julho de 2015

A gente do AO: Políticos modernaços e ignorantes - Pacheco Pereira

Os apátridas da língua que nos governam.

Uma geração de apátridas da língua, todos muito destros em declamar que a “a nossa pátria é a língua portuguesa”, minimizam a nossa identidade e a nossa liberdade. É como se estivéssemos condenados a escrever como se urrássemos em vez de falar.




À memória do Vasco Graça Moura

Não sei se são válidos ou não os argumentos jurídicos que discutem a data da aplicação efectiva do Acordo Ortográfico [AO], se nestes dias, ou em 2016. Isso não me interessa em particular, a não ser para registar a pressa suspeita em o aplicar contra tudo e contra todos. Mas uma coisa eu sei ao certo: é que o desprezo concreto do bem que ele pretende regular, a língua portuguesa, é evidente nessa mistura sinistra de inércia, indiferença e imposição burocrática com que se pretende obrigar os portugueses a escrever de uma forma cada vez mais abastardada.

Na sua intenção original, o Acordo pretendia ser um acto de política externa, uma forma de manter algum controlo sobre o português escrito pelo mundo todo, como forma de garantir uma réstia de influência portuguesa num conjunto de países que, cada vez mais, se afastam da centralidade portuguesa, em particular o Brasil. Se é um “acordo” é suposto que seja com alguém. No entanto, desse ponto de vista, o AO é um grande falhanço diplomático, visto que está neste momento em vigor apenas em Portugal, com promessas do Brasil e Cabo Verde, esquecimento em Moçambique, Guiné Bissau, S. Tomé e Timor-Leste, e recusa activa em Angola. Nalguns casos há protelamentos sucessivos, implementações adiadas e uma geral indiferença e má vontade. Para além disso, nenhuma implementação do AO, vagamente parecida com a pressão burocrática que tem sido feita em Portugal, existe em nenhum país, a começar por aquele que parecia ser o seu principal beneficiado, o Brasil. Ratificado ele foi, aplicado, não.

Mas com o mal ou a sorte (mais a sorte que o mal) dos outros podemos nós bem, mas ele revela o absurdo do zelo português num AO falhado e que nos isolará ainda mais. Onde os estragos serão mais significativos é em Portugal, para os portugueses, e para a sua língua. É que o Acordo Ortográfico não é matéria científica de linguistas nem, do meu ponto de vista, deve ser discutido nessa base, porque se trata de um acto cultural que não é técnico, e como acto cultural em que o Estado participa, é um acto político e as suas consequências são identitárias. Não me parece aliás que colha o historicismo habitual, como o daqueles que lembram que farmácia já se escreveu “pharmácia”, porque as circunstâncias políticas e nacionais da actualidade estão muito longe de ser comparáveis com as dos Acordos anteriores.

É um problema da nossa identidade como portugueses que está em causa, na forma como nos reconhecemos na nossa língua, na sua vida, na sua história e na sua proximidade das fontes vivas de onde nasceu: o latim. Não é irrelevante para o português e a sua pujança, a sua capacidade de manter laços com a sua origem no latim e assim comunicar com toda a riqueza do mundo romano e, por essa via, com o grego, ou seja, o mundo clássico onde nasceu a nossa cultura ocidental. Esta comunicação entre uma língua e a cultura que transporta é posta em causa quando a engenharia burocrática da língua a afasta da sua marca de origem, mesmo que essas marcas sejam “mudas” na fala, mas estão visíveis nas palavras. As palavras têm imagem e não apenas som, são vistas por nós e pela nossa cabeça, e essa imagem “antiga” puxa culturalmente para cima e não para baixo.

O AO é mais um passo no ataque generalizado que se faz hoje contra as humanidades, contra o saber clássico e dos clássicos, contra o melhor das nossas tradições. Não é por caso que ele colhe em políticos modernaços e ignorantes, neste e nos governos anteriores, que naturalmente são indiferentes a esse património que eles consideram caduco, ultrapassado e dispensável. Chegado aqui recordo-me sempre do “jovem” do Impulso Jovem aos saltos em cima do palco a dizer “ó meu isso não serve para nada”, sendo que o “isso” era a história. Esta é a gente do AO, e, como de costume, encontram sempre sábios professores ao seu lado, os mesmos que vêem as suas universidades a serem cortadas, em nome da “empregabilidade”, da investigação nas humanidades e em sectores como a física teórica e a matemática pura, teorias sem interesse para os negócios. “Ó meu, isso não interessa para nada!”.
José Pacheco Pereira

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Acordo Ortográfico para o lixo. JÁ

Vice do Supremo diz que o acordo ortográfico é inconstitucional e não pode ser usado nos tribunais

Num voto de vencido, no âmbito do caso em que foi confirmada a pena disciplinar do juiz Rui Teixeira, o vice-presidente da mais alta instância judicial denuncia que o Governo usurpou poderes e colocou em causa o princípio da identidade nacional e cultural e o direito à Língua Portuguesa.
O vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça Sebastião Póvoas considera que a aplicação da resolução do Conselho de Ministros que obrigou as escolas e todos os organismos do Estado a aplicar o novo acordo ortográfico é inconstitucional e não pode ser aplicada também nos tribunais.
“Independentemente de abordar a constitucionalidade e a legalidade desta resolução, é inquestionável que a mesma não se aplica aos tribunais mas, apenas, e eventualmente à Administração Pública”. Sebastião Póvoas denuncia que o Conselho de Ministros, com esta resolução que é “inconstitucional a título orgânico”, violou “os princípios da separação de poderes”, não respeitou a “equiordenação entre os órgãos de soberania” e a “independência dos tribunais“. Acusa também o Conselho de Ministros de “usurpação de poderes”.
A denúncia foi deixada pelo magistrado da mais alta instância judicial em Portugal numa declaração de voto de vencido a propósito da decisão do Supremo que recentemente confirmou a pena disciplinar ao juiz Rui Teixeira por este ter rejeitado receber documentos com o novo acordo ortográfico. “Nos tribunais, os factos não são fatos, as actas não são uma forma do verbo atar, os cágados continuam a ser animais e não algo malcheiroso e a Língua Portuguesa permanece inalterada até ordem em contrário”, escreveu então Rui Teixeira num despacho.
Sebastião Póvoas concorda e elogia aquele juiz, destacando que foi “rigoroso” por ter, afinal, tentado evitar “a aplicação de um tratado não vigente”.
E porquê é que o tratado não está afinal em vigor? “Se o Acordo/Tratado não foi ratificado por todos os Estados que o subscreveram (e não o foi, seguramente, por Angola e Moçambique) não está em vigor na ordem jurídica internacional”, esclarece Sebastião Póvoas.
O juiz avisa que o novo acordo ortográfico coloca em causa princípios e direitos consagrados na Constituição da República, como o “princípio da identidade nacional e cultural”, o “direito à Língua Portuguesa” e o “princípio da independência nacional devido às remissões para usos e costumes de outros países, para se apurar quais as normas resultantes de algumas disposições do acordo ortográfico, que remetem para o critério da pronúncia”.
Neste ponto, o Sebastião Póvoas sublinha que a Constituição “não pode ser alterada através de uma lei de revisão constitucional, mediante a consagração de vocábulos estranhos ao Português europeu, seguindo o acordo ortográfico, por atentar contra limites materiais de revisão”.
A resolução do Conselho de Ministros de 2011 determinou que, “a partir de 1 de Janeiro de 2012, o Governo e todos os serviços, organismos e entidades sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do Governo aplicam” a nova grafia “em todos os actos, decisões, normas, orientações, documentos, edições, publicações, bens culturais ou quaisquer textos e comunicações”. Para o vice-presidente do Supremo, porém, esta resolução “consubstancia uma ordem” e um poder que o Governo “não tem em relação à administração indirecta e à administração autónoma”, onde se incluem os tribunais.
No caso concreto de Rui Teixeira, o Supremo considerou que o juiz violou o dever de obediência e de correcção. Estava em causa uma comunicação do Conselho Superior da Magistratura (CSM) datada de 2012. O CSM concluiu que não pode indicar aos juízes se deveriam ou não escrever conforme o novo acordo ortográfico ao mesmo tempo que os advertiu que não poderiam indicar aos “intervenientes processuais quais as normais ortográficas a aplicar”.
Sebastião Póvoas salienta que esta deliberação do CSM não foi comunicada aos juízes. O conselho “limitou-se a constar [publicar] a acta no sítio do CSM e não nos lugares próprios”, que neste caso, “seriam as janelas, avisos” ou “circulares que os juízes consultam”. Lembra ainda que os “tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei” e não a “ordens e instruções”. O conselho, sendo um órgão de gestão e disciplina, não pode dar ordens aos juízes, conclui.
Muitos juízes e procuradores estão a favor e outros tantos contra a nova grafia pelo que a questão não é pacífica no meio judicial. A presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Maria José Costeira, e o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, recusaram, aliás, comentar o tema.

domingo, 5 de julho de 2015

HOJE É DIA DE ABRAÇAR CABO VERDE


No dia da minha “segunda pátria de adopção”, esse arquipélago que brotou no meio do atlântico e onde o mundo se misturou para criar uma África diferente. A terra onde as nuvens se esquecem de chorar, mas os sorrisos não! Mesmo aqueles sorrisos sem tecto para dormir, sem pão para cada dia! Mesmo assim sorriem, têm fé e amam-se! Estranhamente, ou não, assim é nas nove ilhas deste arquipélago com 40 anos de identidade própria, que conheço bem e amo com saudades.
Saudades dos cabo-verdianos, do crioulo falado e cantado e lido, dos cheiros da terra molhada e da secura também, do sal do mar em cujas águas os olhos escrevem até ao azimute da imaginação. “O entardecer existe em qualquer parte do mundo, mas é na ilha que de facto existe o repouso das coisas vivas…” escreveu Vasco Martins.
Hoje será dia de reler também “O meu Poeta” do Germano Almeida, mas também a poesia do Oswaldo Osório, do José Luís Tavares, do Arménio Vieira, e , as crónicas, as cartas e as mornas de Eugénio  Tavares. Também olhar de frente as pinturas do Tchalé Figueira, do Abraão Vicente e de tantos outros artistas enormes do” império” da cultura africana. Reler Vicente Lopes e as causas da independência e o surgimento da democracia é obrigatório. Abraçar Amílcar Cabral com a mesma convicção com que se abraçam os heróis da democracia liderados por Carlos Veiga, também. Tudo a ouvir Cesária, Tito, Vadu, Ildo Lobo, Paulino, Lura…
Hoje, haja festa e orgulho cabo-verdiano em cada rosto, de Santo Antão à Brava, de S. Vicente ao Fogo, a S. Nicolau, a Maio, a Santiago, a todas as ilhas e gentes.
Mas haja também reflexão, pensamento livre, consciência livre para que a democracia funcione na sua plenitude, com mais dignidade e trabalho para todos. Leio um homem intemporal – Baltasar Lopes – que numa citação de 1956 escreveu que «Cabo Verde parece-me sempre um problema a solucionar». E CABO VERDE TEM SOLUÇÃO.
ABRAÇO KU TCHEU SODADE  PA NHOS TUD. VIVA CABO VERDE.

JBA 5/7/2015